Abordagens Literárias às Epístolas Paulinas


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Uma das discussões importantes que o estudante de exegese precisa enfrentar na análise das epístolas paulinas refere-se à abordagem literária delas. “Abordagem literária” neste contexto é basicamente a maneira de compreender como uma obra literária se encontra estruturada. No caso, como as cartas1 paulinas foram estruturadas pelo apóstolo, qual forma Paulo utilizou para produzir suas correspondências.

Assim, para contribuir com essa tarefa, serão apresentadas a seguir quatro abordagens literárias às epístolas paulinas: a análise temática, a análise retórica, a análise epistolar e a análise do discurso. E, embora cada uma dessas abordagens demande um tratamento mais extenso, devido à finalidade introdutória deste texto, será oferecida apenas uma definição básica de cada abordagem acompanhada de um exemplo em 1 Tessalonicenses de como um proponente da respectiva abordagem estabelece a estrutura geral dessa carta.

Análise Temática

A abordagem temática concentra-se no conteúdo da correspondência e, assim, busca estruturar a carta com base nos diferentes temas ou assuntos desenvolvidos, conforme Jeffrey Weima2, sendo o método adotado por praticamente todos os exegetas durante séculos no passado e ainda por alguns atualmente. F. F. Bruce3 é um desses exegetas que adota a análise temática para estruturar 1 Tessalonicenses:

1.1Preâmbulo
1.2-10Ação de graças
2.1-12Defesa apostólica
2.13-16Outra ação de graças
2.17–3.13Planos para uma segunda visita
4.1–5.24Exortação
5.25-28Encerramento da carta

Análise Retórica

A abordagem retórica defende que os escritores epistolares bíblicos estruturam suas correspondências nos termos da antiga retórica clássica grega. Conforme Thomas Schreiner4, a análise retórica ganhou desenvolvimento acadêmico a partir de 1970, concentrando-se especialmente nas epístolas paulinas, para as quais inúmeras estruturas foram propostas. Charles Wanamaker5 é um dos que estruturam 1 Tessalonicenses conforme os ditames da retórica clássica:

1.1Preâmbulo epistolar
1.2-10Exordium
2.1–3.10Narratio
3.11-13Transitus de Narratio para Probatio
4.1–5.22Probatio
5.23-28Peroratio e encerramento epistolar

Análise Epistolar

A abordagem epistolar enxerga nas cartas neotestamentárias os padrões de escrita das correspondências gregas do primeiro século, os quais foram utilizados, adaptados e desenvolvidos para a comunicação apostólica com aquelas igrejas. Em seu nível macro, conforme observa John Harvey6, a estrutura geral das cartas paulinas segue esse padrão. Historicamente a análise epistolar é uma reação acadêmica atual à proposta da análise retórica — enquanto aquela apoia-se nos padrões epistolares nas convenções orais, esta apoia-se nas convenções escritas. Jeffrey Weima7, um dos principais proponentes da atualidade para a análise epistolar, segue esta estruturação em seu comentário de 1 Tessalonicenses:

1.1Abertura da carta
1.2-10Ação de graças
2.1–5.22Corpo da carta
• 2.1–3.13 – Defesa das ações e ausência apostólicas
• 4.1–5.22 – Exortações aos tessalonicenses
5.23-28Encerramento da carta

Análise do Discurso

A abordagem do discurso se utiliza da metodologia da análise do discurso para estabelecer a estrutura do texto bíblico. “Análise de discurso” significa neste contexto, como afirma G. K. Beale8, “discernir o ponto lógico principal de cada unidade literária (parágrafo) através de uma análise lógica do desenvolvimento das proposições em cada unidade e, então, traçar o desenvolvimento lógico dos temas de parágrafo em parágrafo e tentar descobrir o ponto principal de toda a epístola”. O próprio Beale9 estrutura 1 Tessalonicenses a partir dessa abordagem:

1.1Saudação
1.2-5Paulo agradece a Deus pelos leitores que demonstram as características genuínas do povo de Deus do fim dos tempos
1.6-10Testemunho eficaz acontece quando a igreja se torna um exemplo de fidelidade através do sofrimento
2.1-12Desejo de agradar a Deus e desejo de que outros agradem a Deus apoia um testemunho corajoso e eficaz
2.13-16Gratidão a Deus pela fé e perseverança dos santos
2.17-20Confiança na própria salvação inspira serviço fiel
3.1-13Preparo de outros para suportarem as dificuldades inevitáveis e o teste do fim dos tempos
4.1-8Não rejeitar Deus e incorrer em Seu Julgamento, mas desejar agradá-lo
4.9-12Amor pelos outros crentes leva a comportamento adequado e bom testemunho aos de fora
4.13–5.11Encorajem uns aos outros a viverem vidas de fé, amor e esperança, a fim de estarem prontos para a vinda inesperada de Cristo
5.12-24Deus santificará e infundirá paz em seu povo para que possam ser irrepreensíveis na vinda de Cristo
5.25-27Instruções finais
5.28Despedida final

Um aprofundamento do tema envolveria tratar, ao menos, da história do desenvolvimento de cada abordagem existente10, sua aplicação tanto na estrutura geral da epístola quanto em suas estruturas internas11, uma discussão sobre a distinção do conceito de carta e epístola que surge neste contexto12, uma apresentação e análise das críticas que cada abordagem recebe13, dentre outros inúmeros tópicos. No entanto, essa breve descrição fornece um caminho útil para o novo exegeta dar seus primeiros passos no entendimento deste importante aspecto dos estudos das cartas paulinas.


  1. Embora existam discussões sobre a distinção entre “epístola” e “carta”, aqui os termos são usados como sinônimos. ↩︎
  2. WEIMA, Jeffrey A. D. Paul the Ancient Letter Writer: An Introduction to Epistolary Analysis. Grand Rapids: Baker Academic, 2016, p. 8. ↩︎
  3. BRUCE, F. F. 1 and 2 Thessalonians. Word Biblical Commentary, vol. 45. Dallas: Word, Incorporated, 1982, p. 4. Gene Green, depois de discutir as abordagens retórica e epistolar, também adota a estrutura temática em seu comentário de 1 Tessaloniceses (cf. GREEN, Gene L. The Letters to the Thessalonians. The Pillar New Testament Commentary. Grand Rapids; Leicester: W.B. Eerdmans Pub.; Apollos, 2002., p. 69-77). ↩︎
  4. SCHREINER, Thomas R. Interpreting the Pauline Epistles. 2. ed. Grand Rapids, 2011, p. 19-20. ↩︎
  5. WANAMAKER, Charles A. The Epistles to the Thessalonians: a commentary on the Greek text. New International Greek Testament Commentary. Grand Rapids: W. B. Eerdmans, 1990, p. viii. ↩︎
  6. HARVEY, John D. Interpretação das Cartas Paulinas. São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 26. Nesta obra Harvey apresenta a estrutura epistolar de todas as treze cartas paulinas (cf. p. 26-31). ↩︎
  7. WEIMA, Jeffrey A. D. Baker Exegetical Commentary on the New Testament: 1–2 Thessalonians. Grand Rapids: Baker Academic, 2014, p. 56-58. Weima considera 2.1–5.22 o corpo da carta com duas seções maiores, apenas não apresentou graficamente isso no sumário. Ele mesmo diz: “O corpo da carta se divide em duas seções principais: a primeira metade (2.1–3.13) envolve a defesa de Paulo sobre a integridade de seus motivos e conduta, enquanto a segunda metade (4.1–5.22) consiste nas exortações de Paulo à igreja de Tessalônica.” (p. 119). ↩︎
  8. BEALE, G. K. 1–2 Thessalonians. The IVP New Testament Commentary Series. Downers Grove: InterVarsity Press, 2003, p. 24-25. ↩︎
  9. BEALE, 1–2 Thessalonians, p. 38-40. ↩︎
  10. Apenas para não expandir a bibliografia (aqui e nos casos a seguir), Weima, em Paul the Ancient Letter Writer (p. 1-10) apresenta uma breve história do desenvolvimento das abordagens temática, retórica e a epistolar, sendo proponente da última. ↩︎
  11. Harvey, em Interpretação de Cartas Paulinas (p. 25-39), trata da estrutura das cartas em três níveis, da estrutura macro ao nível da sentença. ↩︎
  12. Schreiner (Interpreting the Pauline Epistles, p. 11-13) introduz brevemente a distinção que Adolf Deissmann estabelece sobre epístola e carta, apresentando uma crítica a tal abordagem. ↩︎
  13. Um ponto de partida para a pesquisa encontra-se nos comentaristas que adotam cada uma das perspectivas. Pois, geralmente, antes de estabelecer a estrutura do texto, eles apresenta uma defesa da abordagem que adotam, criticando as demais. Para 1 Tessalonicenses, é o caso de Green em The Letters to the Thessalonians (p. 69-74) com a análise temática, Wanamaker em The Epistles to the Thessalonians (p. 45-52) com a abordagem retórica, Weima em 1–2 Thessalonians (p. 55-56) com a análise epistolar e Beale em 1–2 Thessalonians (p. 23-29) com a análise do discurso. Obras estas que, também, fornecerão acesso a uma vasta bibliografia avançada sobre tais abordagens. ↩︎

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