Quiasmo no Novo Testamento (1 Coríntios e Marcos)
Quiasmo, estrutura A-B-AI ou “estrutura sanduíche”, é uma estrutura literária semítica, comumente encontrada nas poesias hebraicas bíblicas (Salmos, Lamentações e vários livros proféticos).[1] A estrutura também é encontrada em narrativas do Antigo Testamento.[2] No livro dos Salmos há diversas estruturas quiásmicas. A do Salmo 67 é um exemplo clássico. Veja como as primeiras ideias são semelhantes às últimas e como a ideia central é destacada.
A | Seja Deus gracioso para conosco, e nos abençoe, e faça resplandecer sobre nós o rosto;
para que se conheça na terra o teu caminho e, em todas as nações, a tua salvação. |
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B | Louvem-te os povos, ó Deus; louvem-te os povos todos. | ||
C | Alegrem-se e exultem as gentes, pois julgas os povos com equidade
e guias na terra as nações. |
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B1 | Louvem-te os povos, ó Deus; louvem-te os povos todos. | ||
A1 | A terra deu o seu fruto, e Deus, o nosso Deus, nos abençoa.
Abençoe-nos Deus, e todos os confins da terra o temerão. |
Como o Novo Testamento foi escrito em sua maioria por autores judeus, é possível encontrar diversas estruturas quiásmicas também no NT. Paulo, por exemplo, em 1 Coríntios, usa esse artifício diversas vezes:
A 1Co 8 Comida sacrificada a ídolos
B 1Co 9 Exemplo pessoal de Paulo A1 1Co 10 Comida sacrificada a ídolos |
A 1Co 12 Dons Espirituais
B 1Co 13 Amor A1 1Co 14 Dons Espirituais |
No evangelho de Marcos também há diversas dessas estruturas. Uma que me chamou a atenção recentemente está em Mc 3.21-35. O versículo 21 apresenta o A. Ele nos informa que a família de Jesus (Maria e seus irmãos) saiu para prendê-lo, pois cria que ele estava fora de si. Na época, a família era responsável por cuidar dos seus próprios loucos.
Em seguida, vêm os versículos 3.22-30, que formam o B, o centro desse texto. É uma discussão de Jesus com os escribas, os quais dizem que Jesus está blasfemando e que ele está possesso de Belzebu, o maior dos demônios. Jesus responde com uma parábola: um reino, ou casa/família que luta contra si mesmo, não consegue subsistir. Só se pode roubar uma casa quando o valente da casa estiver amarrado. Dessa forma, Jesus deixou claro que o poder dele não vinha de Belzebu, mas do Espírito. Assim, atribuir obra feita pelo poder do Espírito é blasfemar contra o Espírito e esse pecado não tem perdão.
Então, vem a última parte do trecho, o A1. A casa/família de Jesus chega até ele. Lembre-se, eles saíram para prendê-lo pensando que estivesse louco. Eles chegam e mandam chamá-lo (Mc 3.31). As pessoas avisam a Jesus de que seus parentes estão lá fora à sua procura (Mc 3.32). Então Jesus diz: “Quem é minha mãe e meus irmãos? Eis minha mãe e meus irmãos [olhando para os presentes], Portanto, todo aquele que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe”.
O resultado dessa estrutura sanduíche é que a parábola sobre a casa dividida, do ponto de vista literário, serve tanto para escribas, quanto para a sua própria família de Jesus. Além disso, vemos que a resistência a Jesus envolvia tanto a sua família dizendo que ele era louco, quando os escribas dizendo que ele era de Belzebu. No meio dessa situação se encontram os leitores, que têm que decidir se Jesus é louco, é possesso ou tornarem-se seus irmãos, irmãs e mães fazendo a vontade do Pai, ouvindo a Jesus e aceitando-o.
Pode-se dizer que outra aplicação desse texto, diz respeito a perseguição que os verdadeiros seguidores de Jesus também estão sujeito a sofrer dentro de sua família e entre irmãos da igreja. Se o Senhor foi considerado louco e possesso, aqueles que lhe forem fiéis estarão sujeitos ao mesmo tratamento, o que lhes deverá ser uma honra e privilégio.
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[1] Quiasmo é “Uma sequência de componentes repetidos em ordem inversa… A repetição pode ocorrer no nível de fonemas (sons semelhantes), lexemas (palavras idênticas ou sinônimas), componentes gramaticais equivalentes (sujeito, verbo, objeto :: objeto, verbo, sujeito) ou componentes relacionados conceitualmente”. Longman, Tremper, and Peter Enns. Dictionary of the Old Testament: Wisdom, Poetry & Writings. Downers Grove, Ill: IVP Academic, 2008, 54. “Quiasmo, a forma poética hebraica por excelência, deriva seu nome da letra grega X ou “Chi” e significa uma figura retórica e temática semelhante ao paralelismo invertido, onde palavras, cláusulas, expressões, caracteres e elementos narrativos são trocados em uma inversão semelhante a que ocorre no espelho”. Rosenblatt, Jason Philip, and Joseph C. Sitterson. Not in Heaven: Coherence and Complexity in Biblical Narrative. Bloomington: Indiana Univ. Press, 1991, p. 212.
[2] Bodine afirma que “O quiasmo na narrativa hebraica pode ser usado para atrasar informação, diminuir o ritmo da linha de evento, mudar a atenção para um tópico novo ou para mudar o caráter temático. No entanto, na poesia hebraica o quiasmo reafirma, compara e contrasta visando à elaboração, ênfase ou ritmo”. Bodine, Walter Ray. Linguistics and Biblical Hebrew. Winona Lake, Ind: Eisenbrauns, 1992, p. 164
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